IA generativa já é o presente – a perspectiva de um fotógrafo
Lembro-me do dia em que pela primeira vez usei o Midjourney. Era a primeira vez que tinha ouvido falar nessa coisa estranha a que chamam de Inteligência Artificial Generativa. Sempre achei que a Inteligência Artificial iria entrar nas nossas vidas um bocado como se vê nos filmes: como robots humanóides a fazer todo o tipo de tarefas humanas, e com super computadores a resolver problemas antes impossíveis.
Mas a verdade é que, antes de tudo isso, criar imagens com IA tem sido das experiências mais fascinantes que já vivi na minha vida. Na altura sobrestimei as suas capacidades. Achei que havia controlo absoluto e que se poderia produzir de forma milimétrica um conceito. Mas não é assim. De todo. Esse aliás tem sido um dos grandes desafios que a IA generativa tem trazido, e que hoje se chama de “prompt adherence”.
A IA generativa percorreu um longo caminho desde os seus primórdios, quando ferramentas como o DALL-E ou o Midjourney geravam imagens com artefactos evidentes e um ar artificial que repelia o público. Não era perfeita – e ainda não o é completamente, com erros em proporções ou coerência visual. Mas, em 2025, já permite coisas incríveis: criar imagens com IA que rivalizam com fotografias reais, produzir vídeos com IA em minutos, ou até gerar modelos digitais que falam e se comportam como seres humanos. Em Portugal, buscas como "IA generativa para imagens" ou "produção de conteúdo IA" explodiram, reflectindo um interesse crescente, segundo dados de tendências de pesquisa que mostram um aumento de mais de 50% em consultas relacionadas a ferramentas como ChatGPT e Midjourney nos últimos dois anos.
O que mudou verdadeiramente foi a aceitação do público. Já não é visto como "fake" ou enganador; as pessoas relacionam-se com o conteúdo gerado por IA de forma natural, partilhando-o nas redes sociais ou interagindo com influencers digitais como se fossem reais. Existem já influencers IA que têm mais de 500 mil seguidores no Instagram.
Um estudo recente da Gartner indica que mais de 80% das empresas usarão IA generativa até 2026, e em Portugal, marcas como a Delta Cafés ou a Sagres já experimentam isso para campanhas visuais mais dinâmicas. Para fotógrafos e criadores de conteúdo, isso significa uma revolução: a IA não substitui a objectiva, mas amplifica-a, permitindo editar imagens com precisão ou gerar variações infinitas a partir de uma foto original. Será possível também usar a fotografia como base, e a IA para a tornar em movimento, ou gerar toda uma campanha.
Mas evidentemente que tudo isto, apesar de fascinante coloca em causa muito daquilo que hoje em dia conhecemos e nos habituámos. Será que o papel de «influencer não IA» existirá ainda em 2030? Será que as empresas de moda, por exemplo, vão poupar milhões nos seus orçamentos e abandonar as grandes campanhas? E as/os modelos? O que lhes irá acontecer? Bem como aos fotógrafos: tornar-se-hão obsoletos?
A resposta para todas estas perguntas é, na minha opinião sim e não.
O que quer isto dizer? Quer dizer que vai haver uma grande, enorme revolução na forma de produzir conteúdo e na forma como esse conteúdo vai interagir com as pessoas nas redes sociais. Sim, muitas influencers vão deixar de ter tracção, e futuras novas influencers a grande maioria não terá qualquer hipótese. Sim muitas marcas irão cortar os seus budgets para apostar em campanhas totalmente realizadas por IA. E a profissão de modelo irá reduzir substancialmente.
Mas a verdade é que o ser humano não será nunca substituído. A IA generativa é incapaz de verdadeira criatividade. É apenas uma “fotocopiadora.” Mas um instrumento que consegue ir buscar milhões e milhões de referências próximas, para apenas replicar aquilo que conhece. Sem o ser humano a IA não consegue criar nada de novo. Nesse sentido, muitas influenciadoras “sobreviverão” precisamente porque num mundo invadido por personagens digitais, aqueles que melhor comunicarem, e que melhor se conectar com aquilo que é essencial aos seres humanos, não só vão continuar, como se irão destacar. O mesmo se aplica às/aos modelos.
As redes sociais terão que se adaptar e modificar muita da sua estrutura e algoritmo. Vejo facilmente que algumas irão proibir conteúdo gerado por IA – quando o volume for avassalador e de baixo valor. As marcas poderão cortar nos mega budgets para mega campanhas, mas agora irão trabalhar com estúdios ou artistas de produção visual com IA, o que irá levar a trabalhos que são mais pequenos, mas mais frequentes. No final do dia, num dado ano, irão gastar o mesmo ou até mais.
Muitos fotógrafos irão desaparecer é verdade. Mas aqueles que rapidamente apanharem o comboio da IA, e se conseguirem especializar nesse tipo de conteúdo irão ter oportunidade de fazer coisas, que antes, atrás da câmara, nunca lhes seria possível. Vão ter oportunidade de trabalhar globalmente. E vai haver uma oportunidade de gerar rendimento nunca antes vista na história da humanidade, que nem sequer é comparável com a febre da internet nos anos 2000.
O resultado? Mais conteúdo produzido, mais rapidamente, e visualmente mais apelativo, com taxas de engagement que, segundo relatórios da HubSpot, podem aumentar em 40% quando o visual é personalizado via IA.
Plataformas como o Grok e o ChatGPT serão o “escritório base” da organização das ideias, da estruturação de tudo. Estas plataformas irão também a determinada altura substituir o Google, pois as pessoas vão usá-las como agentes de pesquisa – apesar de terem ainda um longo caminho a percorrer nesse sentido.
As marcas vão tirar partido disto de formas práticas e rentáveis. Uma empresa de turismo portuguesa, por exemplo, que precise de conteúdo visual atractivo para promover o Alentejo: poderá combinar fotografias reais, com personagens criadas usando o Midjourney, sem grandes produções dispendiosas.
Em termos de vídeo, a produção de vídeos com IA ganhou tracção com ferramentas como o Sora ou o Runway ML, que transformam texto em sequências animadas. Mas todos os dias aparecem novas e mais avançadas ferramentas, como o Google VEO3, por exemplo. Para marcas, isso significa campanhas publicitárias ágeis: um vídeo promocional de um novo vinho do Douro pode ser gerado num par de horas, incorporando elementos fotográficos reais para um toque autêntico. Palavras-chave como "influencers IA Portugal" ou "marcas e IA generativa" dominam as pesquisas, indicando que o mercado local está já em transição.
Como fotógrafo eu olho para estas ferramentas como pequenas caixas de Pandora, onde a pouco e pouco me apercebo, que “ah, afinal dá para fazer isto!”
Vejo que são grandes auxiliares na produção do meu trabalho, e pretendo estar na vanguarda desta transformação. Quero oferecer aos meus clientes possibilidades que antes eu não lhes poderia oferecer. E com isso especializar-me também nesta área. Mas gostaria muito, tenho o desejo profundo de que nunca se perca a fotografia real como base – porque é um instrumento com muito valor, que dificilmente pode ser substituído por um motivo muito óbvio: é a realidade.
IA generativa não é o futuro da produção de conteúdo; é o presente, pronto para tornar o trabalho de todos mais eficientes e criativo.
Em Portugal, onde o sector digital cresce impulsionado por data centers AI-ready – projectados para adicionar 26 mil milhões de euros ao PIB até 2030, segundo a Copenhagen Economics – esta tecnologia não é um luxo, mas uma necessidade.
Portugal perdeu, desde a primeira revolução industrial, todos os comboios da inovação, e isso teve consequências profundas que ainda hoje são bem visíveis. Não nos podemos dar ao luxo de ficar para trás quando no final do dia pode ser uma questão de vida ou de morte.
Contudo, como em todos os grandes processos de transformação, existem cuidados. A IA exige supervisão humana para evitar erros éticos ou visuais. As marcas deverão equilibrar aquilo que geram com IA com o genuíno para manter a confiança. Existe um gigante potencial para abuso, e em alguns casos mesmo esses abusos já foram concretizados.
Preocupa-me o dia em que não se distinguirá a IA de imagens reais, e se poderão incriminar ou difamar pessoas, ou até mesmo na sua utilização como forma de propaganda em massa por movimentos mais extremistas, ou por governos e corporações sem escrúpulos.
Obviamente que existe regulação que ainda terá que ser feita, mas o objectivo dessa regulação deveria ser o de conter os potenciais efeitos catastróficos, ou sistemáticos da IA, e não sobre focado na limitação da inovação ou processos criativos – desde que eles não interfiram com os direitos e liberdade de ninguém.
Apesar de já existir adopção em massa, ainda estamos em terrenos incertos. Pelos vistos, teremos que esperar por 2030 para ver no que tudo isto irá realmente resultar.